Prova disso é que apenas neste mês de novembro, a Netflix vai incluir mais 20 produções da Coreia do Sul no catálogo aos assinantes, devido à grande procura dos brasileiros por esse conteúdo. A plataforma já acumula séries que figuram entre os títulos mais assistidos nos últimos anos, como Round 6, Pousando no Amor, Uma Advogada Extraordinária, A Lição e, mais recentemente, The Good Bad Mother.
Quem se diz “dorameira de carteirinha” é a aposentada Maria de Fátima Cioffi. Primeiro, ela se interessou pelo filme sul-coreano Parasita, vencedor do Oscar de 2020 e, desde então, não parou mais de assistir. Para ela, as produções fazem sucesso por conta da diversidade de temas.
“Me encanta demais os doramas pela diversidade. Você tem doramas assim que tratam de assuntos bobinhos, de meninos na escola, como de assuntos sérios, eles tratam dos problemas sociais que têm na Coreia do Sul, eles colocam bem claro. Por exemplo, que eles tentam acabar com o bullying na escola que é um assunto seríssimo, o tema suicídio também. E tem, ainda, a doçura dos personagens que não deixa de ser um atrativo pra gente”.
Foi também a cultura da Coreia do Sul que atraiu a atenção do engenheiro civil Ricardo Bentes, que adora os K-Dramas. Ele costuma assistir toda nova produção do tipo que chega no streaming, justamente para aprender mais sobre os costumes locais.
“Eu abri a Netflix, vi lá anunciando uma série coreana e tive curiosidade sobre o que seria esse tipo de série e gostei muito. Primeiro, porque retrata o costume de um povo um pouco diferente do nosso, eles têm uma cultura de respeito ao ser humano, ao próximo que é muito diferente da nossa. E também me interessei em conhecer a culinária, eles comem de uma forma quase que comemorando, eles oferecem comida pra alguém como se estivessem dando um presente, é impressionante como eles valorizam a refeição”.
A pesquisadora de pós-doutorado em comunicação e do MidiÁsia na Universidade Federal Fluminense, Mayara Araújo, conta que essas produções começaram a chegar no Brasil no início dos anos 2000, por meio de fóruns na internet. A partir de 2012, com o sucesso das músicas do gênero K-Pop, as séries sul-coreanas passaram a invadir o país. Mas, segundo ela, a consolidação veio mesmo quando a Netflix – atenta a esse sucesso – começou a investir pesado nesse conteúdo, o que ajudou a popularizá-lo.
Na visão da especialista, esse gênero audiovisual conquistou os brasileiros por escapar do que já é comum na TV.
“O que me parece que atrai e que consegue dialogar com diversos públicos, é, primeiro, que a gente está um pouco saturado das narrativas estadunidenses, que é o que entra aqui majoritariamente. E os dramas de TV, eles têm uma pegada melodramática muito forte que dialoga, quando a gente pensa no Brasil, muito com a lógica da telenovela. E, ainda, eles trazem uma forma de amor mais pura digamos assim, um amor platônico. Pra você ter uma ideia, o primeiro beijo dos personagens acontece mais ou menos no episódio 8 e são 16 episódios”.
Foi justamente essa forma de retratar os romances que conquistou a auxiliar de serviços gerais, Daniele Ribeiro, que é “dorameira” desde a pandemia. Ela conta que a sua série favorita é a “Pousando no Amor”, de 2019.
“Quem é dorameira não tem como não se apaixonar por esse dorama. É a história de um casal, ela mora na Coreia do Sul e ele na Coreia do Norte. Ela faz um voo e pousa lá na Coreia do Norte e ele precisa escondê-la, porque ele é do exército. Aí, eles começam a se apaixonar. É uma história muito bonita, é um amor proibido, acabam que eles precisam ir pra outro país pra viver esse amor. Assim, eu acho que te envolve mais, pra eles darem um beijo, todo mundo já fica doido, quando pega na mão já é aquela empolgação”.
O reconhecimento do interesse dos brasileiros por essas produções fez com que a Academia Brasileira de Letras inserisse o termo “dorama” no dicionário da língua portuguesa, no mês passado. Para o tradutor e professor de literatura coreana da Universidade de São Paulo, Luis Girão, é relevante o interesse da ABL pelo assunto, mas a generelização pela Academia pode ser vista como “orientalismo”.
“O que nós estamos querendo apontar como problemático não é que tire o termo dorama da ABL, do dicionário da língua portuguesa. Mas ainda sim quando você coloca um único termo que é em japonês pra se referir a esse monte de produções audiovisuais, que são de países específicos, que têm línguas específicas, modos de fazer dramas e seriados de maneiras específicas e boom atual são os coreanos, você está chamando um monte de coisa uma única coisa. E isso é muito problemático porque repete o movimento colonial do Japão na Ásia, na virada do século 19 para o 20″.
A polêmica foi repercurtida pela Associação Brasileira dos Coreanos, que publicou uma nota em que considera a definição pela ABL de “orientalismo” e que generalizou expressões culturais. A entidade também pediu que a Academia faça a revisão do termo e inclua, por exemplo, os K-Dramas e C-Dramas como definições específicas de cada produção audiovisual da Coreia do Sul e da China.